Engajar a população na discussão de políticas públicas ambientais nunca foi tarefa simples. As agendas municipais de meio ambiente acumulam desafios e enfrentam escassez de recursos, enquanto a participação social nesses temas costuma ser limitada. Foi diante desse cenário que surgiu uma iniciativa criativa, o evento ‘Café, Canjica e Prosa’, que alia o clima acolhedor da cultura popular à seriedade das discussões ambientais. Em poucos anos, conquistou espaço nos altos da Serra da Mantiqueira e vem se tornando referência de mobilização regional.
O embrião do projeto nasceu em 2022, da soma de duas necessidades. De um lado, três gestores ambientais – Andressa Chaves (Itamonte), Stella Guida (Itanhandu) e Ives Barreto (Passa Quatro) – já cultivavam o hábito de trocar experiências sobre os dilemas comuns aos seus municípios. Essa cooperação informal mostrava o potencial de se trabalhar de forma conjunta diante da falta de equipes robustas nas prefeituras. De outro lado, o CODEMA de Itanhandu, com apoio do Instituto SuperAÇÃO, buscava ampliar a participação da sociedade nos debates ambientais. A união dessas frentes resultou na criação de um evento descontraído, mas comprometido com o futuro da região. Assim nasceu o I Café, Canjica e Prosa.
“A demanda surgiu da vontade de colocar as discussões à mesa, compreender os anseios da sociedade, perceber como as pessoas viam os temas ambientais, além de querer apresentar os projetos que já vinham sendo realizados no território. Foi uma oportunidade de reunir o terceiro setor, o poder público e a comunidade e, já na primeira edição, foi um sucesso! Muita gente se engajou no tema. Como a Semana do Meio Ambiente acontece em junho, que também é o mês das festas juninas, pensamos em um nome que acolhesse essa tradição mineira. Queríamos trazer a comida, os elementos culturais, aproximar as pessoas para que a discussão fosse produtiva. Essa ideia deu muito certo!”, contou Bianca Guimarães, secretária executiva do CODEMA de Itanhandu (2019–2025) e especialista em Meio Ambiente no Instituto SuperAÇÃO.
Logo na estreia, em Itanhandu, o evento reuniu lideranças políticas, moradores e proprietários rurais e teve ampla participação dos municípios vizinhos. Os temas em pauta foram saneamento básico, a redução da disponibilidade dos recursos hídricos e os projetos de conservação florestal em andamento, como o Produtor de Água de Itanhandu e o Projeto Carbono para Restauração Florestal na Mantiqueira, implementado pelo Instituto SuperAÇÃO na região. Uma roda de conversa finalizou o encontro, fortalecendo vínculos entre técnicos, gestores e comunidade.
No ano seguinte, a iniciativa ganhou fôlego. O II Café, Canjica e Prosa marcou a assinatura de uma carta de intenções entre seis municípios para criação do Consórcio Ambiental Altos da Mantiqueira (Itanhandu, Itamonte, Passa Quatro, Pouso Alto, São Sebastião do Rio Verde e Virgínia). A presença de prefeitos, vereadores, proprietários rurais, membros de CODEMAs, organizações do terceiro setor e instituições como o Instituto Estadual de Florestas (IEF) consolidou a força do movimento. Bianca recorda, “nesta edição, realizamos o formato Café Mundial, com várias mesas temáticas, cada uma dedicada a um assunto específico. Dessa forma, conseguimos compreender quais eram as prioridades do território, em um exercício que nunca havia sido feito antes. A proposta era manter o espaço aberto para discutir, de maneira ampla, as questões da região. Depois, sistematizamos todas as contribuições, que resultaram em um documento importante e serviram de base para a criação do Consórcio e de suas diretrizes. De um lado, cidadãos apontando suas prioridades; de outro, prefeitos se mobilizando para formar um Consórcio que levasse em consideração os temas levantados. Foi um processo bem democrático.”, finaliza.
O III Café, Canjica e Prosa, sediado em Itamonte, já sob a coordenação do Consórcio Ambiental Altos da Mantiqueira e com apoio da TNC Brasil, trouxe novidades. O evento marcou a apresentação oficial do Consórcio e a realização de uma nova edição do Café Mundial, no qual se discutiu mudanças climáticas, o papel dos conselhos municipais e das câmaras de vereadores, ampliando a abordagem do encontro. Além disso, uma oficina voltada a proprietários rurais destacou a importância da compreensão territorial e da valorização dos serviços ecossistêmicos da Mata Atlântica. “É uma alegria ver como o evento cresceu e, de fato, consegue cada vez mais abrir o diálogo e contribuir para a construção das políticas públicas, principalmente no âmbito municipal e, agora, com o Consórcio, reforçando ainda mais esse caráter participativo.”, destaca Bianca.
Este ano, o IV Café, Canjica e Prosa, realizado em São Sebastião do Rio Verde, reuniu mais de 50 participantes dos seis municípios consorciados. O tema central, “APPs Urbanas em Pequenos Municípios: desafios e soluções”, foi debatido em uma mesa-redonda e foi apresentada uma análise comparativa das Áreas de Preservação Permanente (APPs) hídricas urbanas dos seis municípios. O levantamento trouxe dados sobre perímetros urbanos, extensão das APPs e a proporção de áreas edificadas, antropizadas e de cobertura florestal, acompanhados de mapas temáticos que detalharam o uso do solo. Todo o material será sistematizado e entregue aos municípios como subsídio técnico para o planejamento urbano e ambiental.
Mais do que uma reunião de gestores, o Café, Canjica e Prosa se consolidou como um espaço coletivo de construção de políticas públicas ambientais, onde a canjica e o café simbolizam acolhimento e proximidade, aproximando comunidade, gestores e instituições em prol do meio ambiente. Cada edição fortalece redes de cooperação, promove aprendizado conjunto e reafirma a ideia de que o desenvolvimento sustentável da Mantiqueira depende do engajamento de todos. Como destacou o prefeito anfitrião da última edição, Paulo Henrique de Souza Pinto, “a política pública ambiental precisa estar cada vez mais presente no dia a dia da administração municipal”. A iniciativa, agora integrada ao Consórcio, se firma como uma ferramenta de fortalecimento das políticas públicas ambientais na região.